Uma Garota Genial e Atual Como Nunca!
Um clássico musical vem aos palcos brasileiros pela primeira vez e surpreende com uma história necessária hoje.
Estreou em 18 de agosto em São Paulo o espetáculo Funny Girl - A Garota Genial, clássico da Broadway responsável por lançar a carreira meteórica da atriz e cantora Barbra Streisand. O musical conta a história de Fanny Brice, comediante do início do século XX famosa pelo seu humor auto-depreciativo, quebrando paradigmas do que uma mulher nos palcos poderia fazer naquele contexto em que somente as belas vedetes dos Follies — espetáculos de teatro grandiosos das décadas de 1920 e 1930, responsáveis por lançarem artistas de sucesso pelo mundo — de Florenz Ziegfield faziam sucesso. Brice chega para romper com essas estruturas com seu humor, alçando voos até então impossíveis para mulheres humoristas. Fanny, no entanto, acaba se apaixonando por Nick Arnstein, um apostador compulsivo e um amante indisponível. A peça lida com sua ascensão ao sucesso enquanto seu relacionamento está cada vez mais arruinado.
Sem um revival na Broadway desde 1964, o espetáculo ganhou nova versão em 2022, depois de 58 anos, com Beanie Feldstein no papel de Fanny. Feldstein, já famosa por papéis de jovens divertidas, como no filme Lady Bird, no entanto, recebeu muitos questionamentos da mídia norte-americana por conta de sua atuação, canto e relevância para o papel. Depois de uma grande polêmica, ela foi substituída por Lea Michele, famosa por ter interpretado Rachel Berry durante as seis temporadas da série musical Glee. A série já tinha inclusive vislumbrado um revival do musical em sua trama, com Rachel Berry até mesmo assumindo a protagonista Fanny, além de ter prestado homenagens à Funny Girl em diversos momentos. Lea já era cotada para desempenhar o papel na Broadway, mas devido a polêmicas por conta de sua conduta em sets de filmagem, ele acabou para Beanie, outra grande fã de Funny Girl e Barbra Streisand. Entretanto, Lea Michele conseguiu algo que Beanie Feldstein não conseguiu: aclamação. Sua interpretação de Fanny Brice foi elogiadíssima e muitos disseram ser o papel de sua vida, salvando até mesmo a peça de um fracasso iminente caso continuasse com Feldstein como protagonista.
No Brasil, a responsabilidade de dar vida à Fanny fica numa dobradinha entre Giulia Nadruz e Vânia Canto, sua alternante. Nadruz tem interpretações memoráveis em seu currículo, como Christine Daaé em O Fantasma da Ópera, Maria em West Side Story, Jenny Lind em Barnum - O Rei do Show e Princesa Fiona em Shrek. Contudo, é sua primeira vez em um papel com tamanha comicidade, e ela faz um trabalho brilhante acertando no ponto o timing da comédia física. Quem também acerta no humor é Stella Miranda, conhecida por Toma Lá Dá Cá, série de Miguel Falabella que esteve no ar na Rede Globo entre 2007 e 2009, que está hilária no papel da Sra. Rose, a mãe judia e muito falante de Fanny.
Outro destaque vai para André Luiz Odin, em seu primeiro papel de grande projeção, como Eddie Ryan, amigo de Fanny. Odin já é velho conhecido do meio musical brasileiro, com peças como Donna Summer, Chicago, A Pequena Sereia, e Anastasia, mas é em Funny Girl que ele brilha. É digna de nota a nuance de amor platônico por Fanny que ele traz, pressagiando eventos que aconteceram de fato, já que depois do divórcio a comediante acaba se apaixonando por seu melhor amigo, Eddie Ryan, e até mesmo casando com ele. Mostrando sua destreza em um curto solo de sapateado, o personagem de Odin serve de contraponto ao de Nick Arnstein, interesse amoroso de Fanny Brice interpretado por Eriberto Leão. Essa é a primeira vez que o galã global estrela em uma peça musical, e ele já imprime segurança, mesmo em cenas de canto e dança, além de trazer o caráter mais canalha de Arnstein à tona.
As coreografias de Alonso Barros brilham, em especial nos números de sapateado, que são deslumbrantes. A movimentação de Fanny Brice também merece destaque, com ombros arqueados e joelhos dobrados, muitas vezes sem saber o que fazer com as mãos e com os braços, Nadruz transmite a timidez e o humor corporal de Brice, algo não tão presente na versão norte-americana. Os figurinos de Fábio Namatame são outro destaque, através deles somos transportados para as décadas de 1920 e 1930, e ele faz o brilhante trabalho de não reproduzir os feitos na Broadway. São por volta de 400 peças de figurino em 1:40 de espetáculo sem intervalos. Outra boa nota é a escolha de teatro, o Porto é um teatro novo, pequeno, porém espaçoso, e cria uma sensação intimista, de forma que, mesmo quem se senta mais longe, ainda se sente perto e envolvido com a história, algo essencial para uma boa história de humor e romance.
O roteiro foi revisado para esta versão, recebendo adaptações, como a mãe de Fanny, que surge mais presente e apoiadora, além da falta de clássicos da música ligados à Funny Girl. Uma delas é a canção-título “Funny Girl”, criada somente para o filme de 1968, mas que ganhou nova roupagem no revival na Broadway ao ser cantada por Nick Arnstein, e mesmo no grand finale, quando é cantada juntamente a uma reprise de “Don't Rain On My Parade”. Foram omitidos também dois números inteiros: “The Cornet Man”, um solo de Fanny em início de carreira, e “Rat-Tat-Tat-Tat”, que possui cunho político grande, além de ser um número de sapateado caro de ser reproduzido fidedignamente. Tamanhas omissões deixam a segunda parte da história curta e acabam tendo enfoque maior na resolução do relacionamento de Fanny e Nick do que no sucesso da comediante e cantora.
Outra música que os fãs mais ávidos devem sentir falta é “My Man”, clássico eternizado em inglês na voz de Fanny Brice, e que atravessou gerações na voz de Barbra Streisand, e agora na de Lea Michele. No mais, o cerne da trama está presente. Uma história com mais de cem anos de idade que se mantém ainda atual, a mulher que não era padrão, consegue vencer os preconceitos e vira um dos maiores nomes do showbusiness, Funny Girl é o musical de que precisamos hoje.