Quanto compartilhamento é compartilhamento demais?
Entendendo o que significa se expor nas redes sociais e por quê.
Eu já estava acostumado. Saía com meus amigos e enquanto todos tinham alguma novidade para compartilhar de suas vidas offline, todos já sabiam o que eu havia vivido no offline, que havia se tornado online. Eu achava que estava postando pouco, menos, e cada vezes menos, mas não. Encontrava meus alunos e os comentários cercavam a minha vida offline/online. “Ah, eu vi que você foi no festival X, adorei os vídeos que você postou!”. No barbeiro: “Nossa, aquele vídeo que você fez da sua viagem… me senti como se estivesse lá, muito bom!”. Meus amigos: “Poxa, esse rolê vai virar daily vlog, né? Quero estar nele!”.
Enquanto todos os comentários sempre ficaram no lado positivo das coisas (ainda bem!), eu acabava me sentindo exposto demais. Tá, eu sei. Eu estava compartilhando minha vida com meus seguidores, que nem são muitos, o que eu esperava? Sinceramente, também não sei. Eu só não esperava que estivessem vendo mesmo, que estivessem realmente prestando atenção à tudo que eu postava e exibia, tudo que falava e escrevia, tudo que era mostrado em 15 segundos, que se tornaram um minuto, dando ainda mais tempo de exposição.
A exposição, creio eu, nunca chegou a ser tão negativa. Sempre tive o cuidado de não expor muito meu bairro, para que ficasse em aberto e não soubessem onde eu morava, ou muito de minha casa e minhas intimidades, de modo que tudo ficasse mais próximo de mim do que dos seguidores. O recurso dos Melhores Amigos? Usei muito, compartilhei muita besteira. Mas, sério, pra quê?
Quando postamos algo em público, ou até mesmo no privado, nos melhores amigos, seja criptografado, ou seja, com visualização limitada, seja de uma vez, de dez segundos ou de um dia, já era: está na internet. “Caiu na rede? É peixe”, como diz o provérbio popular. E eu, particularmente, não quero cair na rede. E, definitivamente, não quero ser mais um peixe. Em uma rede social que espera-se chegar aos 2.5 bilhões de usuários mensais ativos (!!!) até o final deste ano, literalmente, compartilhar já não é mais o novo. Eu seria mais um peixe.
Neste período fora de redes sociais, usando o mínimo de tempo possível, apenas para pesquisas rápidas diárias, percebi muita coisa. A primeira delas é que comecei a olhar para o lado, e, ao meu lado, todos estão usando a rede social de sua escolha, seja qual for. Todos estão conectados, muitos sem nem saber o que isso significa de verdade. A irmã de 15 anos de um amigo posta fotos sensuais online, faz vídeos exibindo o corpo em dancinhas. A supervisão dos pais fica onde? Os pais muitas vezes nem sequer entendem o risco que isso pode representar. Mostrar sua casa, sua rua, seu bairro, seus amigos, sua escola.
A segunda coisa é: está todo mundo sempre distraído o tempo todo. Quer dizer, já era assim antes, mas os estímulos mentais que as redes sociais trazem, aliando áudio, vídeo e imagens rápidas e atrativas para prender a nossa atenção, são muito maiores do que antes. Vou explicar: estava em Santos durante o último final de semana e chamei um carro pelo aplicativo para poder me locomover. Primeiro que o motorista não se parecia em nada com a foto, mas só fui perceber isso depois. Segundo que ele não saía do celular! Falando com a mãe, esposa ou filha? Não! Vendo stories e reels do Instagram.
Foram 20 minutos de percurso, durante os 20 minutos ele ficou com a atenção dele voltada ao celular. Chegou um ponto que a polícia passou ao nosso lado, porque óbvio que ele estava dirigindo imprudentemente, e jogou a lanterna pra cima dele. Ele escondeu o celular a tempo, a polícia não agiu. Assim que a viatura se afastou, ele pegou o celular e seguiu vendo vídeos de dancinhas. Estamos sempre falando sobre o valor da vida, que não vale um celular roubado, que não vale isso ou aquilo… mas estamos nos arriscando no trânsito para ver vídeos que pouco tem a acrescentar em nossas vidas, perdendo o rumo. Literalmente, perdemos o rumo.
Outra coisa que observei foi: mesmo as pessoas próximas a mim que também limitam seus tempos de tela ainda passam muito tempo em telas. Normalizamos passar duas, três, quatro horas do dia em redes sociais. Antes de eu me conscientizar mais sobre o assunto, cheguei a passar mais de 8 horas por dia com o celular colado ao rosto somente no Instagram. Hoje meus números chegam a 3-5 horas diárias no total, com apenas 5 minutos diários de Instagram.
Aí você vai olhar os seus números e vai me dizer: ah, mas eu só passo duas horas por dia, no máximo, três! Tudo bem, vamos colocar desta forma: qual foi a última vez que você passou todo este tempo lendo um livro? Estudando para algo? Adquirindo conhecimento? Em um museu realmente se imergindo na experiência e não somente para tirar fotos? As redes sociais realmente oferecem tanto conhecimento imperdível assim? A acessibilidade às redes é realmente tão importante? Se cada escolha é uma renúncia, o que estamos escolhendo quando optamos por passar mais tempo nas redes e o que estamos renunciando? São perguntas para as quais eu tenho a resposta somente para mim mesmo.
Voltei a ler, a assistir séries, a conversar mais com as pessoas olho no olho, e não somente esperando a próxima vez de pegar no celular, comecei a curtir mais os lugares, festas, reparar em mais detalhes e na vida que acontece ao meu redor. Se estamos compartilhando é porque tem alguém para consumir, sempre. Se a fonte do compartilhamento cessa, a audiência cessa também, com o tempo. Ter uma conta privada, em que você compartilha apenas com amigos selecionados parece uma boa, mas é mais uma armadilha da ilusão. Sabemos como é fácil encontrar alguém com acesso àquela conta, ou nos melhores amigos, como é fácil entrar e sair do esquema. Postou? Caiu na rede e é peixe. Não tem para onde fugir. Não quero ser mais um peixe na rede, quero ser um peixe que nada livremente
.