Papa-paparazzi
Com novas campanhas de marcas de luxo que utilizam da estética paparazzi, a moda volta a flertar com a simplicidade no luxo
“I’m your biggest fan, I’ll follow you until you love me”, já dizia Lady Gaga na música “Paparazzi”, hit de seu primeiro álbum The Fame, que compara uma relação amorosa à relação complicada de uma celebridade e seus paparazzi. A música é perspicaz ao captar esse momento crucial dos anos 2000, e com sua volta, seria irônico deixar esse marco da cultura pop de fora. Nos últimos anos temos visto o aparente retorno da cultura de paparazzi, até atingir o alto luxo com a recente divulgação das últimas campanhas de duas grandes grifes italianas, que utilizam da estética paparazzo.
Parece que desde a recente libertação de Britney Spears das garras de sua família manipuladora, brincar com o estilo de fotografia “candid” (cândido, sincero, em inglês) se tornou mais aceitável. A princesa do pop foi amplamente seguida em diversos momentos de sua carreira, mas principalmente quando sua vida estava mais conturbada, como ela conta em seu livro de memórias A Mulher em Mim, onde os fotógrafos procuravam encontrá-la nas situações mais constrangedoras possíveis: bêbada, sem roupas íntimas, com o filho no colo enquanto dirigia, saindo escoltada por policiais, raspando a cabeça ou atacando o carro de um deles com um guarda-chuvas. Quando ela não estava em alguma situação comprometedora, as fotos eram manipuladas para que parecesse estar, ou até mesmo para deixá-la mais gorda.
No entanto, a cultura de paparazzi e de tabloides de fofoca não começou com Britney. Em 1997 tivemos a trágica morte da Princesa Diana dentro de um túnel em Paris em um acidente de carro. O motivo? Diana estava em seu primeiro relacionamento desde a dissolução do casamento real com o Príncipe Charles, com o magnata egípcio do cinema Dodi Al-Fayed, e os paparazzi queriam registrar o primeiro momento juntos do casal. A tragédia não foi o bastante para brecar o avanço da cultura de celebridades e o crescimento desse estilo de fotografia.
Já em 2005, a revista Vogue Italia saiu na frente ao fazer um editorial de moda inteiro fotografado como se os registros tivessem sido feitos por paparazzi. O paparazzo em questão era ninguém menos que Steven Meisel, que entregou um editorial que capturava aquele momento no tempo. O styling de Edward Enninful traz inspirações em Britney Spears, Paris Hilton, Lindsay Lohan e muitas outras, registrando o momento dos vestidos sobre as calças, as botas Ugg e os conjuntinhos em plush coloridos da Juicy Couture, além de, claro, os cigarros nas mãos junto aos Starbucks e as fitas vermelhas da Cabala. Tudo muito 2005, mesmo! Sob a batuta de Franca Sozzani, o editorial foi celebradíssimo e ainda é um das mais memoráveis da edição italiana da Vogue.
Em 2018 a marca Yeezy de Kanye West também lançou uma campanha com a estética, ela retrata a então esposa do cantor e estilista Kim Kardashian nas ruas de Tokyo sendo fotografada, aparentemente, sem seu consentimento, mas com tudo sendo meticulosamente pensado, é claro. Ye utilizou dessa estratégia em outros momentos também, sempre trazendo Kim em diferentes cenários mais, digamos, “espontâneos”. Na Balenciaga, Demna fez o mesmo no mesmo ano, já demonstrando querer romper com as normas da moda, assim como Kanye, muito antes de uma parceria entre os dois surgir
Um novo fenômeno, entretanto, passou a ocorrer. Celebridades passaram a utilizar da força das câmeras dos paparazzi para gerar conteúdo para si mesmas. Kim foi uma mestra disso, contratando fotógrafos de rua para registrar seus momentos espontâneos, e depois utilizar essas imagens comissionadas para seus posts em redes sociais. Ao conseguir virar a chave, ela obteve controle de uma condição que chegou a trazer morte a uma princesa da família real britânica. Se não podemos contra eles, nos unimos a eles.
Rihanna decidiu tomar um caminho similar ao trazer ao mundo a revelação de sua gravidez em fotos “espontâneas” comissionadas por paparazzi. De espontaneidade, nada. O frescor e tranquilidade que as fotos trazem impressionam. Tudo meticulosamente calculado, mas com a mulher no poder da narrativa. O casaco puffer rosa é Chanel por Karl Lagerfeld, de 1996, já esgotado, mas que a cantora arrematou em um site de revendas por US$ 10.672. O look foi completado com um broche vintage de Christian Lacroix, também dos anos 1990, que hoje é revendido por US$ 5.500.
Apesar de todo o furor, o visual ainda parece fazer referência a um momento da cultura pop: a capa do álbum Like a Prayer, de Madonna, de 1989. O álbum foi um sucesso estrondoso na época e marcou a carreira da rainha do pop ao ser conhecido como o “álbum de divórcio” de Sean Penn, ator com quem Madonna fora casada, que tinha problemas com os paparazzi na década de 1980, chegando a ser preso por agredi-los, e que acabou sendo um dos motivos para a separação do casal. Uma foto de paparazzi para revelar uma gravidez? Sim, mas cheia de simbolismos.
De volta a 2023, a última campanha da Bottega Veneta foi justamente utilizando dessa estética, dessa vez com o parceiro de Rihanna, o rapper A$AP Rocky. As fotos são descontraídas, mas transmitem o luxo de uma forma que somente a Bottega de Matthieu Blazy consegue fazer hoje em dia. Essa não é a única grife que está apostando nessa estratégia, com Gucci trazendo uma campanha com o casal do momento: Bad Bunny e Kendall Jenner.
A estética retorna de forma renovada, com novas narrativas, o controle nas mãos de quem já sofreu com isso e a utilização do mecanismo da candura e da verdade. Querendo ou não, as fotos de paparazzi passam verdade, seja ela natural ou produzida. A própria Kendall recentemente abasteceu seu carro em um posto de gasolina em um full look Bottega Veneta, que causou comoção. Fabricada ou não, a verdade está sendo transmitida, seja ela verossímil ou a pós-verdade. Em um mundo de tanta produção, em que cada vez mais pessoas tem acesso ao luxo, retornar ao simples parece necessário. Como dizia Lady Gaga em seu hit: “We're plastic, but we still have fun!”.