A moda (ainda) é fútil?
Frente às transformações dos últimos anos, ainda podemos encará-la como algo vazio?
Sou fruto dos anos 1990, na moda costumo dizer que sou filho de O Diabo Veste Prada e Sex and the City. A própria vontade de ser escritor e escrever sobre moda vem daí. Cresci em uma época em que a moda estava crescendo em ritmo avassalador, de todos os cantos, para todos os lados. O fast-fashion e as grandes redes de varejo estavam a todo vapor, Renner, Riachuelo e C&A, todas fazendo colaborações com grandes nomes da moda internacional, como Karl Lagerfeld. Na TV tínhamos séries como Ugly Betty que exploravam de forma cômica o exagerado mundo da moda, ou Gossip Girl que mostrava o mundo dos super-ricos consumidores da moda de luxo. No cinema o filme Zoolander com Ben Stiller satirizava o universo dos modelos, e, na literatura, o próprio O Diabo Veste Prada de Lauren Weisberger fez de Anna Wintour, lendária editora-chefe da Vogue americana, uma celebridade com fama de tirânica. O consenso geral do grande público era: a moda é fútil. E eu, mesmo amando a moda, muitas vezes ainda a via dessa forma.
Em curso com a equipe da Harper’s Bazaar Brasil, a jornalista Patrícia Favalle rebateu essa questão prontamente: “Se a tratamos como algo fútil, será fútil. Se a tratamos como algo sério, será sério”. Resolvido. Pelo menos em minha cabeça. Eu sempre levei a moda como um assunto muito sério, que envolve muito mais do que o consumo, o vestuário e os desfiles de moda em si. Cresci também em um período em que considerava-se John Galliano como o maior estilista do momento, e muitos poderiam dizer que sua moda era fútil, tamanha teatralidade de seu trabalho, mas não. Qualquer um que ousasse analisar, mesmo em pouca minúcia, o trabalho do estilista inglês à frente da Maison Christian Dior veria que, de fútil, havia pouco.
A moda ainda é vista por muitos como algo que vem de cima para baixo, uma ditadura. Hoje a moda se democratizou muito e os estilistas estão há pelo menos duas décadas olhando para os estilos das pessoas nas ruas com olhares atentos, entendendo a importância da troca de verticalidade na moda. O finado designer Virgil Abloh é pura representação disso. E quando falamos de moda não estamos falando apenas do mercado de luxo, de grandes conglomerados e de bolsas e sapatos caros e as últimas tendências do momento. Estamos falando de bordadeiras, de crocheteiras, costureiras e alfaiates Brasil afora que carregam técnicas passadas de geração em geração, e isso vai muito além da tendência.
Não podemos ignorar o poder transformador e revitalizador que a moda possui, capaz de transformar e salvar vidas, do operário de chão de fábrica de tecidos à modelo em condições de extrema pobreza que traz alimento e esperança para sua família através de fotos em catálogos de roupas. Assim, a moda pode, sim, ser fútil se a levarmos apenas como uma construção de imagem esvaziada de símbolos e de simbologias, de referências e inspirações, de criação de conteúdo online pobre de informação. Mas se a tratarmos com o devido respeito, levando em consideração sua história e a de milhares de pessoas que foram e que serão impactados com ela, a moda pode ser um agente de transformação vital.